Depoimento de ESPIGA Pinto sobre a OGIVA (2009)

Conheci José Aurélio em 1957, fomos alunos e colegas do curso de Escultura (…). Liguei-me ao projecto da Ogiva logo de início e acompanhei-o assiduamente, interrompendo apenas quando fui para o estrangeiro com uma bolsa da Gulbenkian.

Eu já tinha ligação a Óbidos antes da Galeria Ogiva, pois lá ia muitos fins de semana. Aluguei em Óbidos uma pequena casa e a arquitectura tinha afinidades com a do Alentejo, minha terra natal, e estava próximo de Lisboa, onde eu vivia e trabalhava. Tinha longas conversas com o Zé Aurélio, onde por vezes também estavam outros colegas, como o Areal, a Helena Almeida, o Jorge Peixinho… Tomei conhecimento do “projecto Ogiva” e, como convidado, aderi de imediato na colaboração, desde ideias para se porem em prática à montagem das exposições, ao atendimento de pessoas visitantes, tudo sem honorários…

Não sei que apoios tinha a Ogiva para funcionar, não era a minha área de colaboração. Os transportes das minhas obras e desdobráveis ou folhetos das minhas exposições era tudo pago por mim – a Ogiva fazia os convites…

José Aurélio, o pai da Galeria Ogiva, deu continuidade aos nossos projectos e sonhos enquanto alunos da ESBAL, onde nada se passava a não ser repressão de ideias e de criatividade. A Galeria Ogiva era o oposto; ali, fazíamos muita auto-crítica, e aceitávamos a troca de ideias, mesmo diferentes. Entendíamo-nos. Podíamos expor com critérios de qualidade, incluindo a liberdade criativa, e confiávamos no bom – o que não se podia expor nas outras galerias, pela forma, temática ou grandes dimensões, que não eram aceites. Era um verdadeiro laboratório de arte, um lugar pioneiro da arte em Portugal. (…) Fiz duas grandes exposições e penso que foram marcos na minha obra.

A Ogiva foi o primeiro grande centro de mostra de arte contemporânea e moderna do século XX em Portugal (particular, pois já existia a Fundação Gulbenkian com o seu lugar de instituição), mesmo nas colectivas temáticas, como a exposição de homenagem a Josefa d’Óbidos.

Promoviam-se muitas vertentes: desenho, gravura, serigrafia, pintura, escultura, instalações, sessões de música experimental com António Vitorino de Almeida (um memorável acontecimento), Jorge Peixinho, happenings onde todas as pessoas participavam… e ainda se coordenava isso com a vertente artesanal, com a arte popular e naif. (…) O que acontecia era o diálogo nas “expressões da arte”, pois “arte” há só uma.

A Ogiva tinha uma localização ideal, estava no centro de Portugal, era a equidistância, era a novidade em beleza, era a qualidade, era a cultura portuguesa, era a arquitectura genial do espaço (o caminho de fim-de-semana era para Óbidos). (…) Quando estive em Estocolmo com a bolsa da Gulbenkian, encontrei um projecto idêntico, numa ilha do porto de Estocolmo, era um grande armazém transformado na Galeria Lilia Walch. Mas a Ogiva era muito superior em tudo… a arquitectura, o espaço arquitectónico criado pelo Zé Aurélio, era genial… E tinha um grupo de “artistas” colaboradores e de visitantes que vinham do Algarve ao Minho, era a “arte portuguesa” concentrada na Ogiva.

ESPIGA Pinto

2 de Setembro de 2009

Fonte: https://arquivolarte.blogspot.com/2009/10/ogiva-galeria-de-arte-1970-1974-o-risco.html


Posted

in

Top